Um olhar pessoal sobre o que vejo todos os dias
Viver no campo em Mato Grosso é uma experiência rica, intensa e cheia de aprendizados. Mas se tem um tema que sempre aparece nas conversas, nas reuniões e até nas rodas de amigos produtores, esse tema é a regularização fundiária. É quase unânime: regularizar a terra ainda é uma das maiores dores de cabeça de quem trabalha no setor rural.
Não falo isso apenas como observador, mas como alguém que vive isso de perto. Já vi de tudo. Produtores com décadas de dedicação a uma terra, que ainda não conseguem provar legalmente que ela é deles. Gente que perdeu oportunidades incríveis por causa da burocracia. E outros que, mesmo com boa vontade, se sentem perdidos sem saber por onde começar.
Apesar de tudo isso, eu sou otimista. Acredito que estamos num ponto de virada. A tecnologia tem entrado de forma cada vez mais forte nesse processo e, na minha experiência, ela tem feito uma diferença imensa.
Os principais desafios da regularização fundiária no meu dia a dia
Falta de integração entre os órgãos
Um dos maiores entraves que enfrento — e que vejo acontecer com frequência — é a falta de integração entre os órgãos envolvidos. Parece que cada um trabalha num universo paralelo.
Você vai ao INCRA e recebe uma orientação. No cartório, dizem outra coisa. E quando vai consultar o CAR (Cadastro Ambiental Rural), ainda encontra um cenário completamente diferente.
Esse descompasso gera confusão, insegurança jurídica e, claro, atraso. Às vezes, passamos meses tentando conciliar informações para poder avançar num processo simples.
Documentação incompleta ou desatualizada
Outro ponto que atrasa — e muito — a regularização é a documentação. Infelizmente, ainda é muito comum encontrar propriedades sem escritura, ou com registros que não refletem mais a realidade atual.
Em áreas mais afastadas, muitos produtores têm apenas a posse da terra, muitas vezes herdada dos pais ou avós, mas sem nenhum documento oficial. Quando ocorre uma divisão de terras ou uma herança, essa situação se complica ainda mais.
Falta de acesso à informação e orientação
Essa talvez seja uma das barreiras mais invisíveis, mas que causa grandes impactos: a desinformação. Muitos não sabem nem por onde começar o processo de regularização. Não sabem que documentos precisam, quais etapas seguir, onde procurar ajuda.
Isso leva muita gente a simplesmente desistir. E eu entendo. Já pensei em desistir também. É cansativo, burocrático e, às vezes, parece que nada anda.
Como a tecnologia entrou na minha vida e transformou esse cenário
Georreferenciamento: definindo limites com precisão
Foi quando conheci o georreferenciamento que percebi o quanto a tecnologia poderia ser minha aliada nesse processo. Com ele, consegui identificar com precisão os limites da minha propriedade. Nada de “mais ou menos aqui”, “acho que vai até ali”.
Essa clareza evita conflitos com vizinhos, facilita a comprovação do uso da terra e acelera o reconhecimento legal da área. É um recurso que, sinceramente, mudou tudo.
Mapeamento por drone e imagens de satélite
Outro avanço que uso bastante é o mapeamento por drone. Além de ser mais acessível hoje em dia, ele fornece imagens detalhadas que ajudam a visualizar o terreno, identificar áreas de preservação, definir zonas de uso e até resolver disputas de limite.
Já aconteceu comigo: uma sobreposição com a área do vizinho estava travando o processo de regularização há anos. Com a ajuda de imagens atualizadas e dados do SIG (Sistema de Informação Geográfica), conseguimos esclarecer tudo em pouco tempo. Algo que poderia levar anos na justiça foi resolvido em semanas.
O poder do CAR (Cadastro Ambiental Rural)
O CAR, embora obrigatório, ainda é subutilizado por muitos. E confesso que, no começo, eu também não dava muita importância.
Mas quando comecei a entender sua função, vi que ele é um verdadeiro mapa estratégico da propriedade. Quando preenchido corretamente e mantido atualizado, ele serve como base para diversas políticas públicas, programas de incentivo e, claro, para a regularização fundiária.
Hoje, não começou nada sem antes revisar o CAR da propriedade. É como ter um raio-x da terra nas mãos.
Minha jornada com a tecnologia: erros, acertos e aprendizados
No início, tive muito receio. Achei que fosse coisa de grandes produtores, com equipes técnicas e recursos de sobra. Mas, aos poucos, fui percebendo que a tecnologia está mais acessível do que parece.
Pesquisei, participei de cursos gratuitos online, conversei com técnicos e fui aplicando aos poucos. Cada avanço foi me dando mais confiança.
Teve um momento marcante em que percebi que, mesmo sendo produtor de porte médio, eu podia usar as mesmas ferramentas dos grandes. E isso mudou minha forma de ver o negócio.
Regularizar não é só uma exigência, é uma estratégia de crescimento
Segurança jurídica
Ter a terra legalizada é, acima de tudo, ter segurança. Saber que você está protegido, que pode investir sem medo, que tem como se defender em caso de disputa.
Sem isso, tudo fica frágil. Até o esforço de uma vida inteira pode ser colocado em risco.
Acesso ao crédito
Com a documentação regularizada, o acesso ao crédito rural mudou completamente. As condições melhoram, as portas se abrem, e os planos de expansão deixam de ser apenas sonhos.
Já tive propostas negadas porque minha documentação não estava 100% certa. Depois que regularizei, a conversa com o banco foi outra.
Valorização da propriedade
Uma terra legalizada vale mais. Isso é fato. Se um dia eu quiser vender, transferir ou deixar para meus filhos, sei que tudo estará certo, organizado, pronto.
E mais: o imóvel se torna mais atrativo para investidores, parceiros e até programas de fomento do governo.
Minhas recomendações para quem quer começar a regularizar
1. Não tente fazer tudo sozinho
Pode parecer tentador resolver tudo por conta própria, mas acredite: buscar ajuda técnica é o melhor caminho. Existem profissionais especializados que entendem o processo, sabem onde agir e quais atalhos seguir (dentro da lei, claro).
2. Comece pelo básico: CAR e documentos
Organize tudo o que você já tem. Faça o CAR, revise os registros no cartório, levante notas fiscais, contratos antigos, mapas. Toda informação conta.
3. Invista no georreferenciamento
Mesmo que pareça caro num primeiro momento, ele vai poupar muito tempo e dinheiro no futuro. E hoje existem alternativas mais acessíveis no mercado.
4. Mantenha-se atualizado
A legislação muda. As exigências também. Esteja por dentro das novidades, participe de palestras, acompanhe canais especializados.
5. Tenha paciência — mas não desista
Regularizar leva tempo. Vai exigir esforço. Mas cada passo representa mais liberdade, mais tranquilidade e mais oportunidades.
Conclusão: regularização fundiária com tecnologia é o futuro — e o presente
Hoje, olhando para trás, vejo o quanto minha jornada foi marcada por obstáculos. Mas também vejo o quanto valeu a pena insistir. A tecnologia foi minha aliada, e a regularização virou parte do meu planejamento estratégico.
Se você está no campo, sabe como é difícil. Mas também sabe como é gratificante ver o que construiu com suas mãos. E garantir que essa construção seja reconhecida e protegida legalmente é o mínimo que a gente merece.
Não deixe pra depois. Comece agora. Um passo de cada vez.